Agulhadas e Sentença de Morte à nossa inércia!

Última reflexão crítica de 2009.

inercia

O caso da criança de dois anos, que teve dezenas de agulhas enfiadas em seu corpo pelo seu padrasto em Ibotirama no oeste baiano, que tem como suspeitas de participação e envolvimento duas mulheres, uma identificada como amante do padrasto e outra, uma senhora que se diz Mãe-de-Santo, chocou e indignou o país diante da sua brutalidade.

A sequência de assassinatos misteriosos, com requintes de perversidade, em diversos bairros da capital cearense, cuja a investigação policial corre em sigilo e que está ligado, segundo a imprensa local, a rituais de magia negra tendo como possíveis suspeitos membros de terreiros de Umbanda está assustando a coletividade dos cultos afro-brasileiros em Fortaleza.

Para as autoridades religiosas e adeptos dos cultos e religiões afro-brasileiras uma certeza absoluta, ambos os casos nada tem haver com a doutrina, teologia, rito e liturgia, e as tradições do Candomblé, da Umbanda, do Omoloko, do cultos de nação em geral. Tão pouco é alicerçado ou respaldado pelos ensinamentos difundidos pelo mundo espiritual presente nessas religiões e cultos, bem como ministrados por seus sacerdotes e sacerdotisas.

Assim como todos, esses atos criminosos nos chocam, nos indignam e evidente que somamos a nossa voz ao coro de repúdio da sociedade, cobrando justiça e nos solidarizando as vítimas e seus familares.

É ponto pacífico, que tais atos são perpetrados por indivíduos ou grupos desequilibrados, destituídos de discernimento, razão ou quaisquer valores morais. Obnubilados por sandices e crendices desvirtuadas, somente acreditam no ódio, na vingança e nos seus desejos e sentimentos mais mesquinhos e vilipendiosos. Muitas vezes são seres vazios de tudo, sem rumo, horizonte e sem nenhum resquício de valores básicos da convivência humana.

Poderíamos discorrer longamente sobre os motivos ou exatamente a falta deles, que levam as criaturas humanas se assemelharem as bestas-feras e alcançar com seus atos a mais baixa iniquidade, caindo de cabeça nas sombras, na escuridão e nas trevas da alma.

Também poderia enveredar pelo caminho realista da discriminação e do preconceito que ainda resiste na sociedade, em pleno terceiro milênio, em relação a tudo o que diz respeito as religiões e cultos afro-brasileiros.

Prefiro, no entanto realizar uma reflexão crítica sobre a permissividade que grassa no seio do movimento dos cultos afro-brasileiros, que se não é a origem desta percepção discriminatória e preconceituosa da sociedade, contribui amplamente para sua existência.

Sempre digo que: “Quem permite o pouco, assiste passivamente o muito”. Essa sensação muitas vezes me vem a tona no dia-a-dia da religião.

A despeito dos religiosos sérios, dos trabalhos dignos e valorosos encetados em muitos templos, terreiros, tendas, choupanas, centros, barracões, roças etc, independente da luta nobre das diversas associações, organizações, instituições e federações pelo bom nome e da dignificação das religiões e cultos afro-brasileiros, da busca pela inserção e reconhecimento da sociedade, fato é que:

  1. Os desmandos da autoridade religiosa ainda é um câncer a ser extirpado;
  2. Os vendilhões do templo, continuam a vender qualquer coisa pelo melhor preço que conseguirem;
  3. Os mercadores da fé traficam falsas esperanças, curas impossíveis, realizações de quimeras, e satisfação de qualquer tipo de desejo, sentimento e vontade;
  4. O culto a personalidade, a egolatria, o poder desmedido fascinam autoridades e criam um despotismo renitente;
  5. A mediunidade como fim e não como meio que ressalta o fenômeno e respalda o maravilhoso e o sobrenatural;
  6. A falta de disciplina e disciplinadores;
  7. A facilidade como se aplaude, louva, permite, aceita se é condescendente, mesmo em nome da educação, da tolerância e do respeito ao próximo, com o que se sabe ser errado;
  8. A falta de estudo e pesquisa ou a existência deles, não pelo poder do saber, mas pelo conhecimento salutar que alicerça a fé e abre os horizontes da visão espiritual;
  9. A desarticulação fraterna, a falta de união, a visão míope da defesa dos minifúndios, ou mesmo dos latifúndios religiosos.
  10. Por fim e não chegando ao fim de uma lista muito maior que essa, a total desvalorização que os próprios religiosos nutrem sobre as iniciativas individuais ou coletivas válidas, sejam por pessoas, grupos ou instituições a favor das religiões e cultos afro-brasileiros.

Nos calamos demais, silenciamos mais ainda. Diz o ditado que quem cala consente. Assim consetimos demais, deixamos correr frouxo, fazemos vista grossa, muitas vezes ao que acontece no interior de nossas casas espirituais, logo ao lado, ou mesmo em lugares que somos convidados a visitar.

São pais e mães de “poste”, sacerdotes e sacerdotisas “alienígenas”, que caem de paraquedas e ninguém sabe de onde veio ou surgiu, a “mistureba”, em nome da evolução e da modernidade, com ritos, conceitos e doutrinas exteriores as tradições das religiões e cultos afro-brasileiros, fora a “demonização” impetrada por nós mesmos, na tentativa de gerar uma aura de respeito e medo aos outros , de divulgar a crença absurda que somos detentores de “verdades absolutas”, de um poder mediúnico “forte”, manipuladores de “magias” poderosas e conhecedores de ensinamentos ocultos, místicos e sobrenaturais.

Sim, devemos matar esta inércia que solapa a realidade de nossas religiões e cultos afro-brasileiros e a inaptidão que nos paralisa e impede de conseguirmos reverter esta errônea percepção que a sociedade e a mídia possuem de nós, antes que pela inércia e incapacidade morramos, transformados definitivamente naquilo em que não somos, não pregamos, não cultuamos e nem defendemos.

Bradamos ao mundo a discriminação e o preconceito e esquecemos de olhar para o próprio umbigo e ver muitas vezes a manifestação a discriminação e o preconceito intra-religiosos.

Exigimos respeito e consideração e deixamos tanta coisa errada acontecer no interior e no entorno do nosso movimento religiosos.

Não podemos culpar os outros de olharem para nossas religiões e cultos e enxergarem em muitos locais que visitam, exatamente aquilo que eles já ouviram falar de errado, ou as ideias pré-concebidas que adquiriram através, por exemplo de alguns setores mal informados da mídia e do ataque de outros segmentos religiosos.

Às vezes penso que gostamos desta pecha e de vivermos assim como párias religiosos da sociedade e cultura de periferia no seu sentido pejorativo.

Definitivamente, não praticamos rituais satânicos, sacrifícios de seres humanos, rituais de magia negra, enfiamos agulhas em criança ou qualquer coisa assemelhada e parecida.

Agulhadas merecem todos nós, adeptos das religiões e cultos afro-brasileiros para que reajamos e não fiquemos escondidos em nossas conchas, com a cabeça, feito avestruz enfiada na terra, repetindo incansavelmente para nós mesmos, isso não tem nada haver comigo, logo vai passar.

Sentença de morte merece a inércia que congela e paralisa a nossa iniciativa de luta, de união, de espírito de corpo, de fraternidade, liberdade e igualdade que as religiões e cultos afro-brasileiros já merecem a muito tempo.

Pensemos nisso ao apagar das luzes de 2009.

Comentários

Ricardo Barreira disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Obaositala disse…
Paó Pai Caio!
O silêncio dos sacerdotes umbandistas realmente incomoda. Mesmo quando vai a um programa de nível nacional um sacerdote aparentemente despreparado...
Ninguém se manifesta!
E nós ficamos apenas observando o linxamento do nome daquilo que mais prezamos, a nossa fé.
Parabéns pela coragem e iniciativa.
Obashanan disse…
Belíssimo texto, Caio! Infelizmente, em geral não apoiamos a nós mesmos naquilo que podemos dar de melhor como exemplo para a sociedade, cultura e nossa descendência. Passamos sempre ao largo de nós mesmos, com os mesmos maneirismos de sempre, centrados em nossa mais profunda iniquidade. Esperemos que o mundo espiritual dê um jeito, pois me parece que os encarnados já perderam faz tempo.

Abraços!

Obashanan
Editor disse…
Salve Pai Caio, maravilhoso artigo.
É triste quando temos que ficar provando, ou explicando, que nossas religiões não tem nada haver com essas bárbáries.

É fato que os religiosos da Umbanda, do Candomblé e demais religiões denominadas Afro-brasileiras, todos nós, precisamos mesmo ser mais rigorosos com os Pais e Mães do Poste, Sacerdotes Paraquedistas, etc. Sem dúvida este é um caminho a seguir, muito importante por sinal.

Mas penso que não é o único necessário, e peço licença para citar nosso exemplo aqui de Bauru. Já a alguns anos que o Instituto Sócio Cultural Umbanda Fest realiza diversas atividades:culturais, sociais, reflexivas, etc. Graças aos Orixás e ao trabalho de muitos irmãos essas atividades têm repercutido muitíssimo bem na mídia e na sociedade em geral. Realmente a Umbanda hoje é vista com outros olhos aqui em Bauru e Região.

Mas falo isto porque hoje não precisamos mais nos "explicar" quando acontece algo como o caso das agulhas, a própria sociedade automaticamente já sabe que isso nada tem haver com Umbanda, e sim com charlatanismo. São atividades desenvolvidas o ano inteiro que nos proporciona isso. Por isso penso que a divulgação da cultura das religiões afro-brasileiras, ações sociais, e relações com políticas públicas, pode nos ajudar muito.

É isso meu irmão, mais uma vez parabéns e muito axé em 2010.
dani disse…
Achei muito bem colocado, é uma pena que existam almas deste tipo, almas muito primitivas que deveriam voltar ao lodo do umbral onde aprenderiam a dar valor em tudo de bom que temos neste planeta. Tenho fé que esta hora está chegando e que estamos caminhando para um mundo melhor apesar de tudo!!!
Elis Cavalcante disse…
Caio,

Há muito esperava uma voz cortante sobre o assunto.
Compartilho contigo cada palavra, tenho na alma a mesma indignação e complemento com uma frase "O que fazem as Federações para disciplinar a conduta dos dirigentes e seus terreiros e daqueles que se intitulam?"
Conheço muitos, sobre os quais babam-se ovos, que praticam absurdos, mas em suas festas nababescas distribuem mimos aqueles eleitos para zelar por nossa religião.
Por amor à Umbanda, que sua voz tenha eco.

Um abraço,

Elis Cavalcante

"Nada faz sentido nesta vida se não tocarmos o coração das pessoas".
Thatiana disse…
As pessoas tem que aprender que Deus é um só, independente de credo ou religião, que se fizer o bem recebar o bem, e que não tem plantar arroz e colher feijão, sendo assim, numa igreja ou num Centro de Umbanda, Candomblé, não faz para ninguém o que não para si, frequento a umbanda a 22 anos e acredito que são espíritos em evolução, para fazer o bem, e não nada à ver ligar esses crimes ediondos a nossa religião, Feliz 2010 pra todos cheio de paz e saúde.

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