Impressões sobre FTU e Pai Caio de Omulu
Texto enviado para as listas de discussão que faço parte em 26.06.2009
Meu sincero e fraterno saravá a todos,
Aranauam manos João Luiz e Yacyrê,
Para mim já foi uma honra muito grande ter sido convidado, participar então da videoconferência com Pai Rivas, foi um prazer e uma alegria intensa.
Tenho sido um dos entusiastas da forma como a F.T.U. - Faculdade de Teologia Umbandista, tem socializado o conhecimento, levando a faculdade as ruas, como se diz, e mais do que tudo gerando um diálogo profícuo e salutar intra-religioso, seja através das vídeo-aulas, das videoconferências, seja como agora, disponibilizando um material acadêmico de ponta, para leitura e consulta em seu site.
Como bem disse, no diálogo que tivemos com Pai Rivas, sou um defensor arraigado da F.T.U., desde que ela era apenas uma idéia na cabeça. Acompanhar o seu desenvolvimento, projeto, PDI aprovado com louvor e escolhido como modelo para futuras faculdades de teologia e presenciar o seu reconhecimento pelo MEC, foi antes de ser algo maravilhoso, a certeza de se tratar de uma conquista sem precedentes para nossa religião.
Sem dúvida nenhuma, a Educação é um elemento integrador da Umbanda, no momento que a coloca no mesmo patamar já alcançado por outras religiões e com um nível de excelência e qualidade, que por exemplo a F.T.U. possui. A Teologia de Umbanda faltava na academia atual e a F.T.U. veio preencher com sobras essa lacuna existente.
Na videoconferência, dialogamos de fato sobre este e outros diversos assuntos, dentro do tema proposto (Os Saberes, Fazeres e Viveres da Umbanda do Brasil), no qual destaco ainda:
- O conceito de umbandização, em que diversos segmentos religiosos tem sofrido a influência da Umbanda, vista pelos efeitos positivos, conforme exposição de Pai Rivas, em contraponto aos efeitos negativos levantados no seu tempo por Roger Bastide. E que na minha visão, além de corroborar com Pai Rivas, entendo que traz para o leito correto um processo que antes era visto, podemos citar como exemplo, de candomblelização da Umbanda. Na verdade, é realmente o contrário, ou seja, de umbandização, em que se tem reconhecido a importância do religare, do rito, das liturgias e do transe mediúnico da entidades na Umbanda, tendo os seus valores e conceitos incorporados em parte ou no todo.
- A tríade apresentada por Pai Rivas formada pelo Ser Individual, Ser Social e Ser Espiritual, que representa não somente um processo oscilatório do indivíduo, quanto mais periférico nas coisas da Umbanda, mais individual, quanto mais próximo do centro (essência), mais espiritual, passando pelo social, mas também podendo explicar, por exemplo, os momentos do movimento umbandista que passaram sem sombra de dúvida pelo individual, ou seja, os momentos históricos que marcaram posições individualista (territórios) de grupos e escolas (vide os congressos que aconteceram no século passado e os movimentos ditos de "embraquecimento" - aproximação com o Espiritismo e negação do africanismo - e vice-versa - aproximação do africanismo e negação do Espiritismo), bem como, hoje vive um momento de integração e tentativa de união, sendo o coletivo (Ser Social) uma palavra ordem desejada, pelo movimento e de sua inserção definitiva na sociedade. Com certeza conquistaremos essa condição e ainda neste milênio caminharemos para o Ser Espiritual de conscientização planetária e universal.
- A Tradição X Massificação, com que as coisas da Umbanda tem sido tratadas por alguns segmentos intra-religiosos. Bem sabemos que o constructo interno de ensinamentos e desenvolvimento espiritual em nossa religião se faz dentro dos terreiros e através dos Sacerdotes/Sacerdotisas, Dirigentes, Pais/Mães-de-Santo, que via a raiz e tradição que são herdeiros, levam adiante o capital espiritual religioso para sua descendência. É fato, que somente com a vivência do terreiro e da práxis religiosa constante é que se consegue apreender conceitos, valores, ética, ensinamentos etc. Do saber, para o fazer, e daí para o viver, se completa quanto o ser é. Essa condição de excelência, se conquista por dentro da religião e não por fora. Mais ainda, por dentro dos terreiros, de uma tradição, de uma orientação e acompanhamento pari passu de um Dirigente. A forma como estão "comoditizando" as coisas da Umbanda através de uma massificação, com ou sem fins lucrativos, trata-se de um desserviço a religião, pior ainda, passa uma pecha de proselitismo desnecessário, tendo em vista que as portas abertas de um terreiro, que tanto nos referimos, não é de inclusão sem critério, mas de acolhimento fraterno, independente de que as pessoas acolhidas decidam ou não, por livre e espontânea vontade, seguir a religião.
- Isto, nos remete para um outro ponto que diz respeito aos cursos de sacerdócios que nos moldes que temos visto, se comprometem a formar sacerdotes, qualquer pessoa que esteja interessada no assunto, independente de ser umbandista ou não, leigo, com algum conhecimento e as vezes sem ou com uma mínima vivência religiosa. Não importa aqui o tempo, se de fim-de-semana, um ano ou mais, a questão é que ferindo tudo o que expomos no item anterior, trata-se uma massificação incoerente e diametralmente oposta a formação sacerdotal (essa correta) dentro dos terreiros de Umbanda. Se já achamos um absurdo as formações relâmpagos que chegam acontecer por dentro dos terreiros, imagine as que estão acontecendo por fora.
- Pai Rivas também chamou a atenção para a necessidade de se preservar as memórias dos terreiros, das raízes e das tradições. A história registrada, por exemplo em livros atas, se faz mister para preservação do rico manancial de cultura espiritual e religiosa que os terreiros constróem ao longo de sua existência.
- Por fim, dialogamos sobre a diversidade umbandista, suas Escolas e sobre como são intercambiáveis os conhecimentos, tradições, ensinamentos e vivências das mesmas. Dentro da tríade, explicitada no item 2, como dissemos na videoconferência, se a Umbanda é uma gnose completa em si mesma, oscilando entre a periferia (individualidade), passando pelo coletivo (diversidade) e chegando ao centro, essência ou o espiritual e tendo no seu processo de diversidade o intercâmbio entre as suas variadas Escolas é praticamente impossível que existam setores do movimento umbandista que preconizem um processo de "eugenia" nos saberes, fazeres e viveres da Umbanda do Brasil, dissociando dela, para ficarmos no exemplo a matriz africana ou mesmo a matriz indígena em suas diversas manifestações como a Pajelança, o Toré, a Jurema etc. Trata-se, ao nosso ver de um discurso retrógrado, que retoma aos erros cometidos no segundo terço do século passado em diante. A diversidade existe, queiram ou não os puristas de plantão e deve ser respeitada, pois sem ela é impossível sabermos, fazermos, vivermos e sermos umbandistas no Brasil.
Esse são alguns dos pontos, que achamos importante marcarmos desse diálogo, que acredito, demonstrou realmente, que a distância física de 3.500 km (FOR-SP), não representa nenhuma dificuldade para que dois sacerdotes dêem uma demonstração de sintonia, atualização, conhecimento e vontade de trabalhar a favor da união e do diálogo intra-religioso.
Espero, que com a disponibilização da videoconferência no site da FTU, os irmãos que não tiveram a oportunidade possam conferir esse diálogo.
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Namastê,
Pai Caio de Omulu
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