Os Filhos da Natureza estão órfãos e não sabem!
Parte I - A Umbanda e o movimento umbandista (contextualização)
O Omoloko ou Omolocô (Filhos da Natureza) surge na história do movimento umbandista com o objetivo claro de responder as constantes tentativas de aproximação, que alguns procuravam fazer da Umbanda com o Espiritismo. Neste período, lá pela década de 40, existiam praticamente dois grupos de intelectuais umbandistas que trabalhavam em sentidos quase opostos: um, procurava o reconhecimento da Umbanda como uma religião espírita ou pelo menos com tais características, o outro defendia as origens africanas da Umbanda e uma completa independência do Espiritismo. Em contra-partida, o Espiritismo a época condenava de forma veemente quaisquer ligações com a Umbanda e os Cultos Afro-brasileiros.
O primeiro grupo, que pregou suas teses, no Primeiro Congresso Espírita de Umbanda, no Rio de Janeiro em 1941, reconhecia a origem africana da Umbanda, mas impregnava a sua doutrina de uma matriz espírita, com o objetivo de contextualizar a religião para viver dentro do universo urbano, de caracterizá-la como evolutiva e preparada para os desafios que os tempos atuais exigiam, fortalecida por um escopo moral, de preferência cristã e doutrinariamente compatível com a codificação kardequiana, já plenamente aceita e difundida na sociedade.
Em pleno Estado Novo (assim chamou-se o período de governo da ditadura de Getúlio Vargas), os umbandistas desse primeiro grupo, se preocupavam em revestir a Umbanda com qualificações que acabassem com a discriminação e o preconceito (baixo espiritismo e macumba) e evitassem as perseguições que ocorreram até os anos 50. Foi nesta época, 1937 a 1945, em que a política de Vargas já toleravam e reconheciam a importância do Espiritismo no Brasil, que fortemente se trabalhou o embraquecimento da Umbanda, buscando teses que a demonstrassem como um salto evolutivo de suas raízes africanas e com uma origem que antecedia a existência dos cultos religiosos em África (os continentes perdidos de Lemúria e Atlântida). Dessa vertente de pensamentos surgiram o que se chamou de Umbanda de Cáritas e a denominação Umbanda Branca.
O segundo grupo, de intelectuais umbandistas, trabalhava em sentido oposto. Defendiam a origem e as raízes africanas da Umbanda, condenavam a aproximação com o Espiritismo e tentavam solucionar a perseguição, a discriminação e o preconceito, através do sincretismo católico, já incorporado pelo Candomblé e os Cultos Afro-brasileiros em geral. Um dos expoentes que mais se destacou nesse grupo foi o Tata Ti Inkice Tancredo da Silva Pinto (1904-1979), considerado como organizador do Culto Omolocô no Brasil.
O Omolocô ganha destaque nacional no cenário umbandista e dos cultos afro-brasileiros com o Tata Ti Inkice Tancredo. Escritor, músico, sacerdote atuante, Tancredo defendeu durante toda a sua existência, a origem da Umbanda na matriz dos cultos religiosos africanos, realizando uma aproximação definitiva com o Candomblé e os Cultos Afro-brasileiros, condenando as tentativas de infiltração da doutrina espírita na Umbanda e construindo toda uma gnose (conjunto de conhecimentos) para religião com base nas tradições culturais e religiosas das tribos Lunda-Quioco. Desta feita, o Omolocô cultua os Orixás, de forma similar, mas não idêntica, ao Candomblé e os Cultos Afro-brasileiros e trabalha com as entidades espirituais de pretos-velhos, caboclos, crianças, exús e pomba-giras entre outras, nos moldes que a Umbanda realiza. Sim, porque é bom lembrar, que na Umbanda surgida como religião genuinamente brasileira, no advento do Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 1908, através da mediunidade de Zélio Fernandino de Moraes (1892 - 1975), nem existia o Culto aos Orixás ao estilo do que é praticado no Candomblé e, nem tão pouco, espaço para influência do Espiritismo.
A existência da luta para prevalecer as suas correntes de pensamentos, e a polarização dos umbandistas em torno dos dois grupos já mencionados, surgiram bem depois como consequência das circunstâncias já levantadas: o processo de intelectualização da Umbanda, principalmente com o surgimento de uma literatura própria; o acirramento do preconceito, da discriminação e das perseguições (Estado Novo); o Primeiro Congresso Espírita de Umbanda (1941); o repúdio do Espiritismo a qualquer ligação com a Umbanda e os cultos afro-brasileiros e finalmente a organização do Culto Omolocô.
Chamo essas polarizações de intelectuais umbandistas em torno dessas correntes de pensamentos que surgiram, de grupos, apenas por uma questão didática e facilitadora para a linha de raciocínio empregada neste artigo. Na verdade não foram grupos formalmente montados, mas sim, meramente uma divisão de idéias sobre a Umbanda em que dirigentes, escritores, autoridades e pensadores umbandistas a época se afinizaram.
Assim, temos todo um desenvolvimento da Umbanda originada formalmente com Zélio, que veio a ser influenciada, mais tarde, por essas tendências ideológicas, por assim dizer.
Agregando-se a tudo isso, temos:
a) os resquícios existenciais ou a resistência cultural e religiosa de cultos como a pajelança indígena, o catimbó, os xangôs etc.;
b) o envolvimento e a adoção de ritos e liturgias do Candomblé e Cultos Afro-brasileiros;
c) a perpetuação da força sincrética, por exemplo do catolicismo;
d) e finalmente o advento da Umbanda Esotérica, preconizada por W. W. da Matta e Silva e a raiz de Guiné (década de 60), que de forma combativa oferece uma ordem para esse estado de coisas.
Esse, portanto, foi a base e o alicerce da construção de tudo aquilo que hoje chamamos de movimento umbandista.
Na Umbanda praticada nos dias atuais, em pleno séc. XXI, encontramos ainda focos bastantes acentuados dessas situações e linhas de pensamento. Destaca-se ainda o surgimento no fim do século passado da Tradição, preconizada por Pai Rubens Saraceni e seu Colégio de Umbanda Sagrada; e a Escola de Síntese e a Doutrina do Tríplice Caminho, através de Mestre Arhapiagha (Pai F. Rivas Neto - digno sucessor de Pai Matta) com a O.I.C.D. - Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino.
Se o amigo leitor ficou confuso, entenda que no plano elaborado pela Corrente Astral Superior de Umbanda, estava previsto, que esse momento do movimento umbadista é de abarcador de consciências, ou seja, possibilitar a maior quantidade de seres humanos (consciências individuais, totalmente diferentes uma das outras) a oportunidade de reencontro com o Sagrado e o Divino. Para isso se fez e ainda se faz necessário disponibilizar diversos pontos de contato. Na Umbanda dizemos que sempre existe um terreiro plenamente adequado e preparado para harmonizar-se com a espiritualidade de alguém e vice-versa. É por isso que a Umbanda não é uma religião codificada e sempre encontramos diferenças entre terreiros, ritos, liturgias e doutrinas nela empregada.
Uma das leis umbandistas em vigor é a tolerância com as diferenças e a aproximação pelas semelhanças. Os grupos que pensam e trabalham a Umbanda de forma idêntica e sistematizada (reduzir e organizar - fatos, conceitos, opiniões etc. - a um corpo de doutrina), por muitos estudiosos são chamadas e consideradas, atualmente, como Escolas dentro do movimento umbandista. Essa definição de Escolas, amplia o conceito do que vulgarmente era chamado de segmentos, cores, bandas, correntes doutrinárias etc., tendo em vista que todas
passam a ocupar o mesmo patamar de atuação, influência e importância.
passam a ocupar o mesmo patamar de atuação, influência e importância.
Temos assim a Umbanda e sua Corrente Astral Superior, que traçou um plano para elevar o nível de consciência planetário, para que em algum instante, em futuro ainda longíquo, a nossa religião ressurja em toda a sua essência sintetizando definitivamente os quatro pilares do conhecimento, Arte, Ciência, Filosofia e Religião em uma gnose una (integral, indivisível).
Temos também o movimento umbandista com suas Escolas, que servem de base e alicerce para a forma atual da prática umbandista e que no seu constante mover-se gerará a catarse (purificação) necessária ao surgimento da essência (realidade espiritual) em momento propício.
Parte II - O Papel da Escola Omolocô.
O Culto Omolocô, com certeza, historicamente teve e tem um papel relevante no movimento umbandista.
Dentro do conceito de Escola, aqui exposto, embora ainda não aceito e difundido entre todos os filhos da natureza, o Omolocô tem como objetivo traçado pelo plano da Corrente Astral Superior de Umbanda, o papel de permitir a todos que ainda se afinizam com o Candomblé, Cultos Afro-brasileiros, entre outros (ex. Catimbó), mas que, no entanto, não desejam deles serem adeptos, a oportunidade de contato e experiência com doutrinas, ritos e liturgias semelhantes, mas não idênticas desses.
Por outro lado, matricialmente enraizado na Umbanda através do trabalho que se realiza com as entidades espirituais, o Omolocô deve providenciar a migração consciencial de seus adeptos para níveis mais profundos e evolutivos, distanciando-os pouco a pouco da forma atual de sua prática e aproximando-os cada vez mais da essência que a catarse do movimento umbandista gerará. Eis o motivo pelo qual, eu classifico o Omolocô, como uma Escola de transição ou de passagem. Transição ou passagem de uma situação de praticar Umbanda para
outra sem elementos do Candomblé e dos Cultos Afro-brasileiros.
outra sem elementos do Candomblé e dos Cultos Afro-brasileiros.
O Tata Ti Inkice Tancredo da Silva Pinto, estava correto, naquele momento histórico, em fazer uma ruptura com o que estava acontecendo na Umbanda a época. Da mesma forma, que Zélio rompeu com a monopolização do Espiritismo, abrindo espaço para entidades espirituais que não encontravam guarida no seio das reuniões dos centros espíritas, Tancredo organizou uma via alternativa para os egressos dos Candomblés de Caboclo, dos Cultos Afro-brasileiros, do Catimbó e cultos correlatos.
Usando a Umbanda como fonte matricial, para esta via alternativa, Tancredo organizou o que vulgarmente é denominado de Umbandomblé.
A candomblelização do Omolocô, no entanto, se tornou uma barreira estática para o desenvolvimento do papel que a Escola Omolocô tem que cumprir no seio do movimento umbandista. Esse está sendo um preço alto demais.
Os filhos da natureza, conscientes ou inconscientes desta situação, vivem uma crise de identidade, se dizem umbandistas, mas, trabalham e vivem com elementos, práticas, doutrinas, ritos e liturgias que tem sua origem e fundamentos diretamente ligadas ao Candomblé e os Cultos Afro-brasileiros.
Para tentar diminuir o efeito que o impacto dessa realidade causa, no sentido de não torná-la tão visível aos olhos dos seus adeptos, os dirigentes difundem a idéia de que o Omolocô é um processo de evolução para Umbanda, em que se agrega o Culto dos Orixás (na ótica desses faltava isso a Umbanda). Visão essa ao meu ver, totalmente absurda.
Vivemos em um regime de exceção, em que ora, de acordo com os interesses, somos umbandistas, ora somos pertencemos ao Culto Omolocô, como algo a parte da Umbanda ou uma religião diferente.
O Umbandomblé, somente possui sentido, se o colocarmos no trilho de um papel evolutivo, tal qual, podemos visualizar claramente, se o considerarmos Escola da Umbanda. Fora deste trilho ele é apenas um Candomblé de Caboclo melhorado e nada mais do que isso.
Esquecemos Zélio Fernandino de Moraes, menosprezamos as mensagens do Caboclo das Sete Encruzilhadas, e cada vez mais realizamos um caminho de volta ao que deveria ser deixado para trás.
O Omolocô da atualidade, vive com um pé fincado no passado candomblecista e com o outro preso no presente a uma situação estática (geradora dessa crise de identidade), que não permite o desenvolvimento do seu papel, para proporcionar uma salto de qualidade evolutivo dentro da Umbanda e em direção ao futuro.
Ser umbandomblé, na forma como vivemos o Omolocô hoje é o mesmo que ser nada!
Assumamos de uma vez por todas que o Omolocô é uma nação do Candomblé, ou uma evolução do Candomblé de Caboclo, ou façamos alguma coisa para mudarmos esse estado de indefinição. Não dá para continuarmos a servir a dois senhores!
Com o desencarne do Tata Ti Inkice Tancredo, a abrangência e o destaque nacional do Omolocô, decresceu, diminui a sua intensidade a ponto de vermos hoje apenas a existência de células isoladas, ou pequenos grupos que lutam para manter suas tradições e cultos, principalmente em MG e no RJ.
Muitas células em outros Estados, são únicas ou se existem mais de uma a pouco inter-relacionamentos e troca de experiências. Falta espírito de corpo, a busca de unidade, um direcionamento conjunto, que possibilite clarificar quem somos e o que fazemos.
Seria muito melhor nos encontrarmos e definirmos a nossa identidade cultural e religiosa do que estarmos fornecendo respostas diferentes sobre a nossa existência, de acordo com quem pergunta ou voltado para as nossas necessidades e interesses na ocasião.
Por outro lado, me parece que deve ser assim mesmo, o chamamento da Umbanda é muito forte, eis o motivo de a maior parte de uma reunião do Omolocô ser dedicado ao trabalho mediúnico com as entidades espirituais. Quem sabe, chegará o dia que esses trabalhos se tornarão a atividade integral. Estaremos mais participativos e mais próximos da Umbanda.
Para piorar mais ainda esse quadro de indefinições, enquanto sabemos da existência de terreiros de Omolocô sérios, presenciamos casos em outros terreiros, que a parte do culto dedicado aos Orixás servem apenas para dar uma satisfação aos filhos da natureza, que invariavelmente investiram muito ($$$) durante o longo tempo dedicado a completar ou completarem seus processos de iniciações, já que a a parte dos trabalhos mediúnicos, o papel de atendimento ao público e demais presentes é totalmente desconsiderado (para entender melhor clique no título e leia o meu artigo "A Umbanda não é um show!").
Esses tipos de terreiros são mantidos abertos com o a única intenção de se criar as oportunidades de sobrevivência de seus Babalorixás/Yalorixás. Para isso eles permitem que seus filhos-de-santo tenham um pequeno espaço para extravasarem a sua mediunidade e encontrarem algum sentido para sua religiosidade e fé, isso se eles mesmos cuidarem de ir atrás. É, com a mesma intenção, de quando se dá uma bala ou pirulito para uma criança pretendo que ela fique quieta e pare de chorar. Nesses locais não existem nenhum compromisso maior com a religião, com o desenvolvimento mediúnico, com a evolução espiritual, com a doutrina e trabalhos sociais em benefício da coletividade. O que move esses Babalorixás e Yalorixás são quantas consultas particulares eles farão na semana, a próxima festa ou comemoração religiosa para que eles possam mostrar ao seus pares a beleza, riqueza e fartura do seu terreiro, a roupa cara e bonita que vestirão nessas ocasiões, o prato de comida em suas mesas no dia-a-dia, a formação de patrimônio e quanto dinheiro se tem acumulado.
Façamos alguma coisa!
Saiamos desse marasmo espiritual que nos é imposto!
Mudemos esse estado de letargia (inconsciência) espiritual!
Até prova ao contrário, os filhos da natureza estão órfãos e não sabem!
Comentários
Mukuiú,
Sei que pesquisou muito sobre o Omolokô, acredito em partes sobre o texto, mas o Omolokô ainda não está orfão, tem lideranças em todo pais, e quando menos esperar surgirá como Fenix das cinzas, espero um dia vc poder vir a BH, assim ver o nosso crecimento como Culto.
Axé
Tateto Oguiandê
fernandodeoxala@gmail.com
Casa Senhor do Bonfim
Rua Cláudio Manoel da Costa, 31
Bairro Nacional - Contagem/MG
CEP 32.185-260 - Fone (31) 9161-6179
Motumbá,Mukuiu,Okolofé
Parabéns pelo texto infelizmente as pessoas para agradar os demais não assumem suas origens com medo de serem excluidos conheço muitos lideres do culto Omoloco mas não se identificam.
Nos dias de hoje o preconceito dos cultos Africanos está nos prôprios adpetos.Está faltando união Precisamos aprender a respeitar a nação do outro, pois todos os segmentos têm origem em comum na Mãe África, cultuam Orixá, Vodun, Nkissi, Bacuro, Encantados e Guias que são muito queridos e amados por seus adeptos. O desrespeito à liturgia e ao ritual de cada um incorre num grande mal para toda a comunidade afro-brasileira.
Axé